Genograma: a costura de novas narrativas familiares
- Juliana Maroto
- 20 de out. de 2022
- 3 min de leitura
"Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais", a letra de Belchior que fez sucesso na voz de Elis Regina denuncia uma força de repetição contra qual muitos de nós lutamos. Por isso, cada vez mais tenho gostado de usar o genograma nos meus atendimentos individuais e de casais. Ele é um desenho gráfico da vida em família com informações e relações de pelo menos três gerações de seus membros. Dessa forma, ao estruturar a própria história, a pessoa elabora novos significados a comportamentos e realidades que vive no presente.

Ele lembra uma árvore genealógica que permite a cada sujeito ver num quadro mais amplo e sistêmico seu contexto atual e histórico, a partir de dados estruturais, relacionais e funcionais da família. No presente, permite vislumbrar além da família nuclear, a família extensa, sua rede de apoio, pontos fortes e vulnerabilidades, a cultura e sociedade em que está inserido.
“Família é, pela nossa definição, aqueles que estão ligados através da sua história biológica, legal, cultural e emocional e pelo suposto futuro juntos. O funcionamento físico, social e emocional dos membros da família é profundamente interdependente, e as mudanças de uma parte do sistema reverberam em outras”.
McGoldrick, Monica; Gerson, Randy & Petry, Sueli
O genograma descreve fatos importantes no sistema como migrações, mudanças nos ciclos de vida, relações de gênero, questões de saúde, violências e pontos de resiliência. Mostra também possíveis padrões entre os eventos ao longo do tempo, por exemplo, histórias de uniões conjugais que se repetem, eventos comuns em mudanças de ciclos de vida como aposentadoria.
Embora alguns acontecimentos sejam pontuais, os significados atribuídos a eles são duradouros e atravessam a história de uma família. Então o genograma abre espaço para conversas que demonstram como os sujeitos e seu grupo familiar simbolizam e escolhem contar suas histórias. Uma narrativa de um problema pode ser descrita a partir da dor. E o convite, a partir das conversações do genograma, é procurar outras narrativas que podem ter ficado de lado, como a superação, o aprendizado.
Durante a pesquisa de informações, existe a possibilidade de abrir um diálogo com outros membros da família para perguntar e conhecer sobre datas, eventos e situações. Quando os membros são questionados sobre temas, regras, questões emocionalmente carregadas, com frequência, padrões repetitivos aparecem. O reconhecimento, em geral, evita que estes padrões sejam repetidos ou transmitidos no futuro.
Delinear as relações entre os membros da família pode indicar, por exemplo, famílias muito fusionadas, que os sujeitos têm dificuldade de se diferenciar e reagir a mudanças externas. Ou dar mostras de como a família utiliza e transmite estratégias de resolução de conflitos (competitivas, evitativas) e de regulação emocional. Os rótulos (“supermãe”, “filha talentosa”) e apelidos mostram como cada sujeito pode ter ficado circunscrito neste sistema.
Tudo isso oferece caminhos de conversa sobre o que atualmente pode estar gerando crises num sujeito, numa família ou entre casais, muito além de uma perspectiva linear e unidimensional das explicações psicológicas:
a mulher pode entender a sua dificuldade de expressar sentimentos desconfortáveis, ao se dar conta que ao longo da suas gerações os conflitos não eram encarados na família, vários assuntos eram tratados como tabus ou segredos;
um casal pode lidar com mais compaixão com as dificuldades de comunicação ao perceber que a família de origem dele tinha o hábito de se comunicar de forma pouco cuidadosa uns com os outros, expressando seus julgamentos sobre os membros da família. Enquanto a família dela, depois da perda de um dos seus irmãos, pouco se comunicava para evitar lidar com emoções.
A intenção é gerar espaço de conversação para estimular pessoas a se libertarem de histórias restritivas que impulsionam a repetição das mesmas pautas de relacionamento e de enfrentamento dos problemas através das gerações. É lembrar como cantou Elis: "que o novo sempre vem", basta querer ver.
Referências:
McGoldrick, Monica; Gerson, Randy & Petry, Sueli (2012). Genogramas: Avaliação e Intervenção Familiar, 3a. Edição, Editora Artmed
Krüger, Liara Lopes, & Werlang, Blanca Susana Guevara. (2008). O genograma como recurso no espaço conversacional terapêutico. Avaliação Psicológica, 7(3), 415-426. Recuperado em 16 de novembro de 2022, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712008000300013&lng=pt&tlng=pt.




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